De fato estamos muito habituados a separar realidades díspares de forma sectária e excludente, devido a tendência maniqueísta da cultura hegemônica.
Segundo esta visão o “bem” e o “mal” estão inequivocamente divorciados, cabendo a cada pessoa a opção por um deles e a conseqüente exclusão definitiva do outro do cenário de suas vidas.
Tomamos todas as precauções e cuidados para manifestar somente o melhor em nós, o bem, o bom, o belo e o agradável e repudiamos de tal forma seus opostos que já não podemos admiti-los, e passamos a percebê-los apenas do lado de fora, nas atitudes alheias.
Mesmo assim somos insistentemente surpreendidos com as mais variadas manifestações de nossa sombra e o despreparo é tamanho que tudo que daí advém é um sentimento de vergonha ou culpa, ou a atribuição da culpa a uma outra pessoa.
É justamente a vergonha e o medo da culpa que dificultam à nossa vaidade pessoal de admitir qualquer “imperfeição”.
A culpa, o medo e a vergonha tornam os seres manipuláveis e dependentes de orientações externas. Descrentes de suas próprias impressões e discernimento, procurando respostas e bodes expiatórios do lado de fora, vai se construindo uma realidade fictícia, cristalizada e facciosa, distante de toda verdade plural, múltipla, mutável, imprevisível e singular com a qual somos brindados a cada momento,
Ninguém tem dúvida de que o dia é filho da noite e de que a noite também nasce do dia. Luz e trevas se sucedem, dando uma origem à outra e é do ventre mais escuro e fecundo que toda vida humana vem à Luz.
Quando nos julgamos perfeitos, excluindo as imperfeições, nos tornamos arrogantes e prepotentes e achamos que nada mais temos à aprender. Somos perfeitos de fato, mas nossa perfeição engloba tropeços e desacertos. São exatamente nossos benditos erros que nos apontam para possibilidades infindas de aprimoramento, que nos impulsionam de forma criativa a despertarmos potenciais que de outra forma não teriam a chance de serem conhecidos.
Quando conseguimos acolher com compaixão nossos desacertos, pegar nossa pequenez no colo com paciência materna, descobrimo-nos adultos responsáveis, capazes de arcar com nossas imperfeições, com nossa obscuridade, sem subterfúgios e escapismos, sem a atitude covarde de atribuir a terceiros o porquê de suas manifestações.
Daí, estamos bem próximos de nos tornarmos íntegros, inteiros, honestos e verdadeiros e corajosos ao ponto de poder buscar as soluções e as respostas dentro de nós mesmos, pois o que vemos do lado de fora é claramente o reflexo de nossas próprias impressões.
Assim é a dinâmica que ocorre entre o Yin e o Yang; um contem a semente do outro e um se transforma no outro em ciclos ininterruptos, contínuos e mais ou menos regulares. Um controla o outro, mas também dá origem ao outro e são, portanto, interdependentes.
O ser humano encontra-se no centro da inter-relação existente entre as influencias celestes e as terrestres. Ele é, na verdade, um dos resultados possíveis desta inter-relação, bem como todas as outras formas de vida sobre o Planeta. Isso expressa sem dúvida uma amostragem bem ampla de matizes da dinâmica do Yin/Yang através do Céu e da Terra.
Nosso organismo é assim constituído de matéria densa, agregada e sólida, provinda da Terra, bem como de elementos sutis, diáfanos e imateriais provindos do Céu. Estas duas energias se interpenetram em nós (e também fora de nós) criando toda a expressão da própria vida.
O corpo físico provém das profundezas abissais e fecundas do planeta e toda a fluência de nossa vida psíquica dimana dos eflúvios celestes.
Acontece que da mesma forma que dia e noite se sucedem, um dando origem ao outro, as estações do ano também o fazem, em ciclos maiores e as fases da vida, em ciclos maiores ainda. O mesmo ocorre, no entanto, com os ciclos respiratórios e cardíacos e outros menores e mais profundos de nossa fisiologia, nem todos visíveis ou mensuráveis.
Todos os fenômenos na natureza e também na nossa fisiologia podem ser abordados sob este enfoque. É justamente a prática desta observação, da conexão existente entre o que está fora e o que está dentro, que fundamenta toda a riquíssima teoria da Medicina Chinesa.
Uma lógica que nada nega é infinitamente abrangente, pois a própria negação é apenas uma face ou fase complementar à aceitação. Assim podemos fazer a opção por observar e não negar e estaremos adentrando os mistérios da multiplicidade.
O organismo humano está organizado de tal forma, que podemos atribuir-lhe qualidades referentes aos mais diversos aspectos relacionados ao Yin/Yang.
Por exemplo: nossos órgãos e vísceras (Zang e Fu) organizam-se em cinco movimentos distintos que se sucedem e complementam, cada um deles com características próprias. Suas funções incluem analogias com os climas, as estações do ano, as direções cardinais, os aromas, sabores, cores, pertencendo sempre a uma das cinco variantes de qualidade energética encontradas. Estas variantes também vão abarcar os órgãos do sentido, os tecidos do corpo, as emoções e os estados de espírito referentes a cada um.
Sendo assim as características atribuídas ao Baço (Pi) incluem não apenas o órgão conhecido no ocidente por este nome, mas também tudo que diz respeito ao centro, ao eixo, a estruturação, a nossa capacidade de nos nutrirmos em todos os níveis, através de trocas equânimes com o ambiente e de nos sentirmos saciados com os frutos da terra.
O Coração (Xin) está ligado ao psiquismo, portanto ao Céu e também ao sol do meio dia, ao sul e a claridade e a alegria, a fala e todas as expressões do fogo do espírito.
O Rim (Shen) nos reporta às profundezas das águas abissais da Terra, a nossa herança ancestral mais pregressa, ao norte, ao inverno e ao momento do sono, quando nos recolhemos à escuridão fecunda de nosso inconsciente.
Coração e Rim (fogo e água, espírito e corpo) juntos formam os dois extremos do eixo que interliga o Céu e a Terra em nosso organismo, referentes ao verão e ao inverno, ao meio dia e a meia noite, a luz e as trevas respectivamente.
O Fígado é o momento da madeira crescer, de, partindo da semente fecundada nas profundezas da Terra, vermos seu tronco ereto e flexível ir crescendo e aos poucos se espalhando em ramos que penetram o Céu. Ramificam-se em todas as direções em cima, como as raízes, em baixo, nas profundezas da terra, assegurando o livre fluir de substâncias de cima para baixo e de baixo para cima, bem como todos os movimentos. Relaciona-se, portanto com a primavera e com o leste, onde nasce o dia.
O Pulmão fala do momento em que a energia começa a descer novamente em direção a escuridão. Como as folhas que caem no outono, voltando, assim a fertilizar o solo. Infundindo o leve no pesado ele vai assegurando a fluência do entrar e sair, de ligar o que está fora com o que está dentro, mantendo o que tem valor e se descartando do inútil, do passado, do apego. O que tem valor é tudo aquilo que a Terra pode aglutinar e sedimentar em seu interior como o metal. E de fato é o conhecimento da própria dinâmica ininterrupta de transformação acontecendo em nós, a cada respiração.
As artes chinesas de cura e meditação nos convidam ao encontro com estas estruturas (Yin) e funções (Yang), ao mergulho em nós mesmos redescobrindo a linguagem preciosa das sensações e impressões e a possibilidade de uma comunhão profunda conosco e com toda a vida a nossa volta.
Seja pela Acupuntura, massagens, Tai Ji Guan ou Qi Gong, vamos exercitando nossa auto-observação e aos poucos compreendendo como se dá e a que propósito serve nossa inserção nesta maravilhosa Teia da Vida.
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